segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

O ato de pensar no contexto do Ensino da Filosofia

O ATO DE PENSAR: uma abordagem a partir de Gilles Deleuze

Francilene Corrêa Silva - IFMA


No que se refere ao ensino de Filosofia, tem-se ainda o entendimento de que o ato de pensar, ou pensar melhor se estabelece com uso de habilidades de pensamento, como explicar, dar definições, reformular. Por outro lado, pensar é refletir acerca de problemas e questões sobre os quais os filósofos já pensaram, sem compreender a relação do problema o qual o conceito foi criado. O aluno, nas aulas de Filosofia, muitas vezes é conduzido a pensar através de perguntas e respostas sobre temas, como: o que é justiça? o que é liberdade? o que é ser ético?
O ato de pensar inclui algo que vai além da capacidade de desenvolver metodologias que conduzem ao pensamento, através de habilidades que proporcionam o pensar filosófico, é, sobretudo, experimentar a vida através de construções e desconstruções de conceitos.
A Filosofia tem uma ligação íntima com o pensar. Ela é uma forma de exercitá-lo, permitindo ainda uma experiência de pensamento à medida que proporciona uma abertura para que o pensar não se mantenha em um ponto fixo, fechado e acomodado. Essa dimensão do pensar, enquanto experiência já traz consigo essa possibilidade de abertura. Ela é o pensamento vivo, que não se conforma com o que já foi pensado, que recoloca novas possibilidades para se pensar de outra forma, e que ainda é capaz de criar, a partir de uma força que expande esse pensar. Para Kohan (2007) isto se dá “[...] quando se torna impossível pensar da mesma maneira, quando se torna urgente e necessário pensar de outra forma.”
Nesse mesmo entendimento Lima (2000, p.199), afirma que:
[...] esta é uma das possibilidades do ensino de filosofia: experimentar novas
relações entre os seres, construir novas composições; o pensamento como plano de
composição onde as relações e os acontecimentos se constroem e se desconstroem.
Porque os conceitos filosóficos não são noções universais, mas singularidades, à
reflexão, à comunicação, onde o conceito impede o pensamento de ser uma
simples opinião; o conceito é o que faz pensar em domínios heterogêneos.

É importante perceber a nítida relação da Filosofia com a experiência, sobretudo porque esta última torna-se necessária para a construção do pensamento criativo. Segundo Gallo e Kohan (2000, p.192):
A filosofia é uma atividade de fazer experiências de pensamento, transversalmente
atravessando o vivido e construindo sentidos para esses acontecimentos. Escalar
as alturas e mergulhar nas profundezas, sem perder o sentido da superfície. [...]
Não se contenta com as explicações corriqueiras, com a doxa, com as facilidades
oferecidas por uma literatura barata e pela mídia eletrônica ainda mais diluída;
mas experimentar, buscar estados alterados, buscar o diferente, o desviante, o
devir.
No que se refere aos jovens no Ensino Médio, a Filosofia pode ser interessante à medida que dá força para os jovens explorarem seu pensar, pensando em algo além do que já foi pensado, expandindo o seu pensamento.
E isso se dá com o conceito, atingindo certa dimensão capaz de desestabilizar as idéias.
[...] a filosofia não é contemplação, nem reflexão, nem comunicação, mesmo se
ela pôde acreditar ser ora uma, ora outra coisa, em razão da capacidade que toda
disciplina tem de engendrar suas próprias ilusões[...]. (DELEUZE; GUATTARI,
1992, p. 14).
Não tendo mais o filósofo, na visão de Deleuze, o papel de refletir “sobre”, ele atribui outro sentido sobre o que é Filosofia e sobre o que é pensamento. Concebe-se então a razão não mais como um julgamento de um a priori, mas como captura dos acontecimentos através da criação de conceitos. Assim, pensamento e acontecimento estão envolvidos pela força que este último provoca.
Deleuze, em Diferença e Repetição apresenta um entendimento sobre o pensar sem estar atrelado à imagem de recognição, representação, que são formas em que se é construída a imagem dogmática do pensamento em Filosofia.
A imagem clássica e dogmática na Filosofia coloca o pensamento e a verdade lado a lado, entendendo que o pensamento quer a verdade, universalizando a idéia de que todos sabem o que significa pensar, o que para Deleuze é entendido como senso comum e que é a forma da representação e recognição no pensamento. Para Deleuze (1988, p. 216) a forma “todo mundo sabe, ninguém pode negar é a representação e o discurso do representante”. Desse modo, ele parte do senso comum, entendendo que todos naturalmente sabem o que é pensar.
Deleuze critica a idéia de que o sujeito que pensa deseja a verdade e tem a faculdade de “um pensamento natural dotado para o verdadeiro, em afinidade com o verdadeiro, sob o duplo aspecto de uma boa vontade do pensador e de uma natureza reta do pensamento” (1988, p. 218).
A imagem do pensamento através da recognição é o modelo que o exercício do pensamento se apresenta acerca do objeto, em que “[...] atos de recognição existentes ocupam grande parte de nossa vida cotidiana: é uma mesa, é uma maçã, é o pedaço de cera [...]”. (DELEUZE, 1988, p.224).
Deleuze não exclui a existência da recognição, mas não atribui a ela a constituição do pensamento. Ele critica o entendimento que a Filosofia tem dos encontros que afetam a sensibilidade do pensador, pois são encontros produtores de desvios para o erro devendo ser evitados, à medida que não correspondem ao verdadeiro. Por outro lado, ele concorda com a idéia de que esses encontros possibilitam o desencadeamento do pensamento que envolve a diferença.
Produzir pensamento, em Deleuze, é o resultado da força que os encontros provocam no sujeito pensante.
Assim, existe alguma coisa que nos força a pensar, e
[...] é o objeto de um encontro fundamental e não de uma recognição. [...] Pode ser
apreendido sob tonalidades afetivas diversas, admiração, amor, ódio, dor. Mas, em
sua primeira característica, e sob qualquer tonalidade, ele só pode ser sentido.
(DELEUZE,1988, p.231).

Temos então que o pensamento é forçado e não natural, não é apenas reconhecido, mas provocado por um encontro que desassossega o sujeito. Em oposição à Filosofia Clássica, Deleuze tenta sair da recognição e da imagem dogmática e inclui uma forma de pensamento que vai além do natural.
Para ele, os conceitos da tradição que se utilizam do modelo de recognição não finalizam a força que estimula o pensar.
O pensamento é provocado pela força de um encontro que mexe e incomoda. A diferença provoca o
pensamento à medida que há incompatibilidade, discordâncias das faculdades entre si. Segundo Deleuze (1988, p. 239), “no caminho que leva ao que existe para ser pensado, tudo parte da sensibilidade.” O pensamento é estabelecido não por recognição, e sim pela sensibilidade. O amor, a admiração, o ódio, a dor, são forças que são sentidas pelo pensador, provocando um encontro, que conduz ao pensamento. Dessa forma, é a sensibilidade que inicia o pensamento.
Assim, ao contrário dos filósofos que tinham a imagem do pensamento na representação, entendendo que haveria uma boa vontade no pensador que o faria pensar, a idéia da diferença em Deleuze, compreende que o pensamento é possível através da sensibilidade, movendo o pensador a posicionar-se perante um problema, dando uma abertura para se pensar o que ainda não se pensou.Um texto, uma obra de arte, ou até mesmo um acontecimento é capaz de inquietar, mexer com os sentidos, possibilitando e permitindo o pensamento.
Podemos afirmar que para Deleuze, o pensamento que se dá pela diferença, não se constitui pela
identificação e representação do objeto, mas, sobretudo, a partir de discordâncias de possibilidades. Segundo a idéia do pensamento através de recognição, a homogeneidade o permanente do mundo é o que há para ser conhecido através do pensamento.
Para Deleuze (1988, p.243):
Sabe-se que pensar não é inato, mas deve ser engendrado no pensamento. Sabe
que o problema não é dirigir, nem aplicar metodicamente um pensamento
preexistentente por natureza e de direito, mas fazer com que nasça aquilo que
ainda não existe [...]. Pensar é criar, não há outra criação, mas criar é antes de
tudo, engendrar, “pensar” no pensamento.
O pensamento, entendido pela Filosofia Clássica como inato, é conduzido a buscar a verdade das coisas, ignorando as forças que o provocaram. Dessa forma Deleuze, destaca que a Filosofia está vinculada a ilusões, que podem impedir a criação e a diferença no pensamento.
Tais ilusões estão atreladas à relação existente entre o pensamento e o problema. Uma perspectiva dessas relações ocorre quando já existem propostas para o problema, mas ainda assim, elas devem conduzir ao pensamento; outra é ter que atribuir uma solução para o problema, como forma de torná-lo autêntico.
O problema é entendido, na Filosofia da diferença, não através de condições propostas anteriormente para tentar solucioná-lo fora de um contexto, mas por construções feitas a partir dele mesmo.
Pensar, portanto, não implicaria a capacidade de resolver problemas, mas a capacidade de criar, construir suas próprias produções de acordo com o contexto inserido e com o sentido encontrado pelas suas condições.
As singularidades e diferenças aqui se fazem presentes, uma vez que cada sujeito apresenta construções acerca dos problemas suscitados. A Filosofia da diferença não define o problema pelas suas possíveis soluções, mas pelas condições implicadas no sujeito capazes de provocar encontros.Poderemos pensar um ensino de Filosofia que provoque encontros que mexam, desassosseguem os alunos, pensando através da perspectiva de que o sujeito pensante não está predisposto a pensar. Afinal, o que encontramos são alunos que encontram dificuldades em pensar, ficando muitas vezes inertes a desenvolverem seus pensamentos.
Investigar a aprendizagem dos alunos no que se refere aos seus movimentos dos pensamentos nas aulas de Filosofia nos possibilita também perceber a relação mais íntima que os alunos estabelecem com ela. Perceber aproximação ou distanciamento, nessa relação é fundamental, não para julgar o que seria certo ou errado, mas para sentir esse universo.
Acreditado que o pensamento não se estabelece em um eu unificado, mas em um “Eu rachado”, onde “os imperativos ou as questões que nos atravessam não emanam do Eu, que nem mesmo está aí para ouvi-los”
(Deleuze, 1988, p.321) relacionam-se com o Eu rachado “cuja rachadura eles deslocam e reconstituem a cada vez segundo a ordem do tempo” (Deleuze, 1988, p.321), demandando do pensador uma abertura para a aventura do pensamento, encontrando o diferente, o novo, enquanto produto da criação faz o pensamento ser bem mais que o exercício da razão.
Dessa forma é importante pensar um ensino de Filosofia que não imponha o que o aluno deva pensar e que não considere este um sujeito unificado, mas rachado, capaz de se permitir ir a um encontro com algo que o force a pensar, possibilitando uma abertura ao pensamento, fez-se necessário analisar no período do estágio no CENTRO INTEGRADO DO RIO ANIL- CINTRA, como é estabelecida a relação dos alunos com a Filosofia, no que diz respeito à forma como eles são conduzidos ao exercício do pensamento, bem como examinar através
do exercício de escrita, argumentação e pensamento as dificuldades e o prazer dos alunos em estudar Filosofia.
Essa experiência permitiu-nos verificar que ainda encontramos professores que acreditam que o sujeito da aprendizagem esteja pré-disposto ao pensamento e que todos devam pensar tendo em vista o mesmo caminho, o mesmo raciocínio, para se ter o mesmo ponto de chegada sobre o que está sendo trabalhado, sem levar em consideração a sensibilidade do aluno para captar o que lhe faz desassossegar, incomodar e forçar pensamentos.
Os alunos registram em seus relatos como principais dificuldades: ler textos filosóficos; expor com coerência e criticidade os seus argumentos e suas idéias; e a falta de conhecimento sobre o assunto trabalhado. Seria importante perceber se, ao apresentar essas dificuldades, eles não estariam sentindo a necessidade de algo: o exercício do pensamento.
É necessário que o sujeito construa seu pensamento a partir de um encontro, um estranhamento
com algo que o force a pensar, e isso pode ser uma música, um poema, uma obra de arte, um texto filosófico, trabalhado com o aluno. Tendo em vista sentir de perto tais dificuldades, foi pedido aos alunos do 3º ano do Ensino Médio do CINTRA que escrevessem sobre as principais dificuldades no que se refere a pensar no espaço das aulas de Filosofia. Nesse primeiro momento, destacamos relatos de alguns alunos, os quais tiveram seus nomes originais reservados.

O restante do texto pode ser consultado em: http://connepi.ifal.edu.br/ocs/anais/conteudo/anais/files/conferences/1/schedConfs/1/papers/1484/public/1484-5195-1-PB.pdf




REFERÊNCIAS
CHAUÍ, Marilena. Convite à Filosofia. São Paulo: Ática, 2006.
DELEUZE, Gilles. Diferença e Repetição. São Paulo: Graal, 1988.
DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. O que é a filosofia? Rio de Janeiro: Editora 34, 1992.
GALLO, Sílvio. O Ensino de Filosofia No Contexto de Uma “Educação Menor”. IN: ROLLA, Aline Bertilla
Mafra; NETO, Antônio dos Santos; QUEIROZ, IVO Pereira de. (Org.). Filosofia e Ensino: possibilidades e
desafios. Ijuí: Ed. Unjuí, 2003, p. 23-33.
GALLO, Sílvio; KOHAN. Walter Omar (Org.). Filosofia no Ensino Médio. Petrópolis: Vozes, 2000.
KOHAN. Walter Omar. A Experiência do pensar. In: GALLO, Sílvio; FAVARETTO, Celso; ASPIS, Renata
Lima. A Experiência Filosófica: filosofia no ensino médio. Produção: CEDIC e Atta Mídia e Educação.
Belo Horizonte, 2007. 1 DVD.
LIMA, Walter Matias. Considerações Sobre Filosofia no Ensino Médio Brasileiro. IN: GALLO, Sílvio;
KOHAN. Walter (Org.). Filosofia no Ensino Médio. Petrópolis: Vozes, 2000, p. 197-205.
LIMA, Walter Matias. Considerações Sobre Filosofia no Ensino Médio Brasileiro. IN: GALLO, Sílvio;
KOHAN. Walter (Org.). Filosofia no Ensino Médio. Petrópolis: Vozes, 2000, p. 197-205

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