quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

Educação Emancipatória na sala de aula com e pela Filosofia

Profª. Maria Marta Bergamaschi

Quando pensamos em programa educativo que tem como objetivo maior educar para a liberdade, para a emancipação, uma das primeiras coisas que afligem a nossa mente é o conjunto de características que marcam com veemência a sociedade contemporânea.

Vivemos num tempo em que o conhecimento determina, em grande medida, o tipo de cidadão que se pretende formar e, conseqüentemente, a sociedade que parece nos atrair.

Entre as várias características que parecem delinear a sociedade atual, podemos citar o conteudismo exagerado que habita as instituições de educação formal e o individualismo que interfere de certa forma na convivência familiar e social, além do racismo e dos preconceitos que ainda aparecem camuflados na maioria de nossas escolas e nos mais diversos âmbitos sociais.

Frente a essa educação peculiarmente desmotivadora exala o odor do fracasso que ronda educadores e alunos ao mesmo tempo. O que nos resta fazer enquanto profissionais da educação? O que queremos dizer quando falamos de Educação Emancipadora?

Quanto à primeira questão, devemos pretender, na realidade e verdadeiramente, “fazer escola”. Uma escola onde o estudante aprenda a conhecer, a fazer, a ser e, acima de tudo, a conviver, atitude essa, que, nos últimos tempos, vem-se definhando em nossa sociedade. Com isso, queremos dizer que nossos anseios voltam-se para a educação cidadã, na pretensão de formar jovens mais críticos e reflexivos, que saibam ainda dizer “não” à violência física e social.

Ao falar em Educação Emancipadora, nosso pensar não é diferente, acresce-se ainda a formação de alunos autores, tanto na forma de pensar, quanto na forma de agir, deixando a caracterização de meros reprodutores como um dos construtores de nossa história passada.

Assim, poderemos vislumbrar nossas escolas como portas abertas para a formação de indivíduos e grupos interessados em praticar investigação ética e responsável, quando nos inteiramos dos fatos e dos acontecimentos que concretizam nossa vida mundana.

É importante lembrar, e não nos resta a menor dúvida, de que cabe à escola abrir esse espaço, propiciando aos estudantes oportunidades de se desenvolverem ao mesmo tempo em que se tornam conscientes de suas potencialidades. No entanto, é preciso que a escola assuma uma nova postura, já que a sala de aula também se transformará em outro espaço, no qual cada um tenha sua importância enquanto membro de uma Comunidade de Aprendizagem Investigativa. Todos são acolhidos com suas idéias e modos de pensar, e o ambiente onde se dá a investigação é permeado pela confiança e pelo respeito. Essa atitude deve partir do educador, que, enquanto modelo, disseminará sua postura entre todos os participantes. Assim, poderemos contar com ambiente rico de novas idéias e novas perguntas, pois essa investigação coletiva é propulsora das descobertas, da apropriação de saberes e, conseqüentemente, da ampliação de nossas potencialidades.

É importante ressaltar ainda que nas Comunidades de Aprendizagem Investigativa aprender a perguntar tem a mesma importância de aprender a responder. Conforme nos ensinaram os pensadores de todos os tempos, a filosofia, ou seja, o amor pelo saber, começa com o deslumbramento, com a admiração. Nesse caso, incentivar a pergunta é alimentar essa contemplação diante do novo, do já visto e do que está por vir.

Pensar faz parte da natureza humana, mas cultivar e alimentar o pensamento são as grandes missões do profissional educador. Bom seria se todos que abraçam essa profissão sempre se lembrassem disso.


Maria Marta Bergamaschi
Pedagoga e Filósofa
NUFEP-DF

sábado, 26 de janeiro de 2013

Curso de Formação Continuada para Professores de Filosofia do Ensino Médio do Rio Grande do Sul


 

Curso presencial gratuito com atividades à distância
Oferta: Departamento de Filosofia da UFRGS, SEAD (Secretaria de Educação à Distância), RENAFOR (Rede Nacional de Formação), PROREXT (Pró-Reitoria de Extensão) e Governo Federal

Carga horária: 80h
Corpo Docente: o corpo docente do curso é constituído por docentes da UFRGS, da UFSM e da rede pública e particular do ensino médio do RS.
Objetivos principais do curso:
  1. Discutir a pertinência e relevância do ensino de filosofia no ensino médio, bem como sugestões de métodos de trabalho em sala de aula, contribuindo assim para a formação e qualificação de professores;
  2. Discutir temas e problemas em filosofia que são decisivos para a formação filosófica, através de exposições rigorosas de alguns dos principais problemas e autores em filosofia.
Datas e horários dos encontros: sábados pela manhã, das 8h30 às 12h30.
Duração: de 20 de outubro de 2012 a 15 de junho de 2013, com atividades a distância nos meses de janeiro e fevereiro de 2013.
Público alvo: O curso é destinado principalmente aos professores de filosofia do Ensino Médio, mas estende-se também aos professores das séries finais do Ensino Fundamental.
Vagas: 100 (cem)
Local: Auditório da Arquitetura, Campus Central da UFRGS, no centro de Porto Alegre (Rua Sarmento Leite, 320).
Maiores informações:  www.ufrgs.br/filosofiaensinomedio
E-mail para contato: filoensinomedio@ufrgs.br
Telefone:             (51) 3308 6883       c/ Tiago Ribeiro
Inscrições: de 10 a 30 de setembro de 2012 exclusivamente através do site:
www1.ufrgs.br/Extensao/Portal/index.php

terça-feira, 1 de janeiro de 2013

O desafio de lecionar filosofia


Obrigatória no ensino médio há quatro anos, disciplina não desperta interesse nos estudantes. Filósofos tentam encontrar solução para mudar esse quadro.

Por Célio Yano

Filósofos têm usado uma expressão bastante popular para definir a decisão do Ministério da Educação de instituir, em 2008, a obrigatoriedade do ensino de filosofia para alunos de nível médio. A medida, que, por um lado, é vista como positiva, por outro, teria sido ‘enfiada goela abaixo’, uma vez que não foi precedida de iniciativas que permitissem sua aplicação de modo eficiente.

Tanto é que quatro anos depois da sanção da lei 11.684/2008, que inclui a disciplina de filosofia – além da de sociologia – no currículo do ensino médio, grande parte dos professores está despreparada para lidar com a matéria, constatam os pesquisadores da área. Diante do problema, filósofos de todo o país defendem a criação de linhas de pesquisa e até programas de pós-graduação específicos para o desenvolvimento do ensino nas escolas.

Na Associação Nacional de Pós-graduação em Filosofia (Anpof), o tema ganha cada vez mais espaço. No último encontro nacional da entidade, realizado no fim de outubro em Curitiba, um conjunto inédito de eventos paralelos foi organizado para discutir os problemas e as possíveis soluções envolvidas com a questão.

Para Patrícia Velasco, da Universidade Federal do ABC (UFABC), o primeiro ponto a se refletir é que, apesar de ter relação com a área de educação, o ensino de filosofia deveria ser objeto de estudo por parte de filósofos. “Hoje, o professor que pretende se especializar tem de recorrer a programas de pós-graduação na área de educação”, lembrou, durante o encontro da Anpof.

“Acredito que há pressupostos filosóficos no ensino de filosofia, como a própria identidade da filosofia”, disse. “Diferentes respostas geram diferentes métodos de ensino.” Daí viria a necessidade de criação de programas de pós-graduação, em filosofia, voltados para a pesquisa sobre ensino, o que ainda não existe no Brasil.

Embora não seja consensual, muitos pesquisadores defendem a criação de mestrados profissionais em filosofia para aprimorar a formação de professores de educação básica. O modelo seria o mesmo do Profmat, programa de especialização financiado pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) para professores de matemática da rede pública.

O consenso entre os pesquisadores da área é que, diferentemente de outras matérias, a filosofia não pode ser ensinada por meio da simples transferência de conhecimento para os alunos. “Professor e estudante são, simultaneamente, sujeito e objeto da disciplina”, definiu o filósofo Luciano Kaminski, do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (Pibid) da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e professor do ensino médio em Curitiba.

Para ele, o modelo engessado da educação básica no Brasil é outro entrave para a evolução do ensino de filosofia. “É preciso repensar o tempo de aula, a abrangência do conteúdo e os métodos de avaliação.”

À carência de políticas voltadas para a formação de professores de filosofia, soma-se o que o filósofo Filipe Ceppas, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, considera a falência do atual modelo escolar. “Nossa escola nunca foi suficientemente republicana nem democrática, por estar baseada em princípios como a disciplinarização e a meritocracia”, afirmou. “A filosofia e os professores de filosofia têm muito a contribuir no sentido de reverter essa situação, mas o debate precisa ser horizontal, ou seja, deve envolver toda a comunidade filosófica.”

A experiência dos professores

Enquanto se discutem medidas políticas para a melhoria no sistema de ensino de filosofia, professores de nível médio lançam mão da criatividade para obter resultados em suas aulas. Algumas iniciativas foram apresentadas no encontro da Anpof.

O professor Rui Valese, do Colégio Estadual Deputado Arnaldo Busato, de Pinhais (PR), por exemplo, conseguiu estimular estudantes de primeiro e segundo ano a refletir sobre conceitos de felicidade e satisfação com um método que envolveu diálogos interdisciplinares.

Com auxílio de professores de biologia e química, os alunos estudaram a composição química de lanches da rede de lanchonetes McDonald’s e os efeitos que os ingredientes podem ter no organismo humano. O objetivo era, por meio dos quatro passos do método cartesiano para construção da verdade, responder a uma pergunta: “O McLanche Feliz traz felicidade?”

Para ensinar filosofia política, a professora Joselaine Perin, da escola estadual Ceciliano Abel de Almeida, em São Mateus, no Espírito Santo, organizou uma viagem de 350 km para levar seus alunos à Assembleia Legislativa do estado, localizada na capital, Vitória. Coincidiu de, no dia da visita, encontrarem os servidores da Casa em greve por melhores salários, e os deputados em sessão na qual votavam o aumento dos próprios vencimentos.

“Conseguimos abordar um parlamentar e os alunos questionaram o que estava acontecendo”, contou. Segundo Perin, há muita dificuldade de se trabalhar com textos clássicos com os alunos, uma vez que muitos deles chegam ao ensino médio ainda semialfabetizados.

“O maior erro é usar a metodologia do ensino universitário”, disse o professor Renato Velloso, do Instituto de Educação Governador Roberto da Silveira, em Duque de Caxias, região metropolitana do Rio de Janeiro. Velloso é autor de Lecionando filosofia para adolescentes, livro que descreve métodos de ensino que professores da área podem seguir.

A ideia é compartilhada por Danilo Marcondes, coordenador da área de filosofia na Capes. “Estamos acostumados a dar aula para alunos de filosofia, que, supõe-se, têm interesse pelo tema. Os alunos de ensino médio são obrigados a estudá-la”.

Fonte: Ciência Hoje On-line/ PR


quinta-feira, 7 de junho de 2012

Olimpíadas de Filosofia do Estado de SP: encenando o filosofar na Educação Básica



Entre as diversas iniciativas que as universidades brasileiras vêm promovendo para fomentar a discussão filosófica nos níveis fundamental e médio de ensino, há uma que merece destaque especial: as olimpíadas de filosofia. Organizadas pela primeira vez no Brasil em 2008, elas ainda estão em fase de crescimento e consolidação. Essa situação incipiente já permite, contudo, discuti-las e avaliá-las em função de dois aspectos fundamentais: primeiro, como as olimpíadas interferem e contribuem para o trabalho de estudantes e professores da educação básica e, segundo, como elas oferecem uma oportunidade para os pesquisadores avaliarem a situação atual do ensino de filosofia. A Profa. Dra. Patrícia Del Nero Velasco (UFABC), autora de diversos artigos sobre Ensino de Filosofia e do livro "Educando para a argumentação: contribuições do ensino da lógica" (Autêntica), coordenou a I edição paulista das olimpíadas e cedeu à Seção Filosofia na Escola da ANPOF suas reflexões sobre o evento. Segue abaixo o texto reformulado da apresentação da Profa. Dra. Velasco no I Colóquio Nacional do Ensino de Filosofia: o que queremos do filosofar na Educação Básica? (Salvador, dezembro de 2011).

por Patrícia Del Nero Velasco

Os movimentos olímpicos de Filosofia existem há mais de 10 anos na Europa e várias edições já foram realizadas em países da América do Sul, como Argentina, Chile, Colômbia, Paraguai, Peru e Uruguai. A fim de aguçar o interesse dos jovens pela Filosofia, em 1995, no marco do programa “Filosofia e Democracia no Mundo”, a UNESCO aconselhou a promoção das olimpíadas, nacional e internacionalmente. No Brasil, o pioneirismo em sediar o evento é atribuído ao Rio Grande do Sul. A primeira olimpíada neste estado foi organizada em 2008, sob a coordenação do professor Sérgio Sardi, do Departamento de Filosofia da PUC-RS.

Na mesa de abertura da I Olimpíada de Filosofia do Rio Grande do Sul, segundo o Boletim nº 3 de 03 de dezembro de 2008, emitido pelo Fórum Sul de Filosofia, o professor Sardi noticiou que “talvez estivesse neste primeiro encontro o germe de um futuro evento nacional”. Quatro anos mais tarde ainda não podemos anunciar a realização do referido evento nacional, mas ao menos um caminho profícuo nessa direção: em 2012, Porto Alegre sediará a V edição da olimpíada estadual (29/09) e a II Olimpíada de Filosofia com Crianças do Rio Grande do Sul (20/10); Petrópolis, a III Olimpíada Latino-Americana de Filosofia (de 4 a 6/10); em São Paulo, ocorrerá a II olimpíada regional (22/09).

Mas, o leitor poderia indagar, como são as olimpíadas regionais brasileiras? Estas consistem na realização de atividades didáticas de cunho filosófico a partir de um tema geral. Na edição pioneira em SP, assim como na IV edição no Sul do país, a temática que norteou os trabalhos foi: “O mundo é admirável? O que nos torna plenamente humanos?” Em 2012, o tema que subsidiará o evento será: “Qual o custo social do progresso?”

Destinadas a estudantes dos ensinos Fundamental e Médio, abrangendo as redes pública e privada de todo o estado, as atividades que compõem as olimpíadas têm início nas escolas e terminam com uma exposição em um encontro estadual. Trata-se, portando, de um evento filosófico-educacional constituído de duas etapas. Na primeira fase, realizada nas escolas, os professores de Filosofia inserem a temática do ano como conteúdo programático da disciplina, investigando-a e refletindo-a filosoficamente. As atividades didáticas devem incluir a criação de uma apresentação em formato livre: teatro, comunicação oral, poesia, pôster, vídeo, fotografia, desenho e música foram alguns dos trabalhos criados nesta fase para a primeira edição paulista.

No dia do evento ocorre a segunda e última fase das olimpíadas: o momento de apresentação dos trabalhos produzidos em sala de aula. Nesta data, espera-se propiciar aos participantes (alunos, professores, coordenadores, diretores e demais interessados) a oportunidade do diálogo investigativo, da reflexão conjunta sobre o tema abordado em cada edição. Ao contrário do que o nome do evento poderia sugerir, não se almeja nas olimpíadas regionais brasileiras qualquer tipo de competição. A proposta é promover a colaboração, a troca de experiências, acolhendo diferentes perspectivas sobre a temática norteadora do ano.

A I Olimpíada do Estado de São Paulo, sediada na Universidade Federal do ABC (UFABC), em Santo André, reuniu um pouco mais de 400 pessoas: aproximadamente 350 alunos; 35 professores; alguns coordenadores e diretores; e outros tantos pais e mães dos estudantes. Escolas de vinte municípios do Estado de SP se inscreveram: Amparo, Arapeí, Artur Nogueira, Bananal, Bauru, Campinas, Cunha, Guarulhos, Irapuã, Limeira, Mogi das Cruzes, Mogi Guaçu, Paraisópolis, Pilar do Sul, Rio Claro, Santo André, Santos, São Bernardo do Campo, São Paulo e Ubatuba.
Uma avaliação informal da primeira edição paulista das Olimpíadas mostrou que alguns dos objetivos pretendidos com esse movimento olímpico foram alcançados, quais sejam:

1. Promover a integração entre as escolas, os estudantes e os professores participantes, bem como entre a Escola e a Universidade;
2. Agregar os interesses de alunos e professores de Filosofia do Estado de São Paulo (carente de iniciativas deste gênero), criando um espaço de troca de experiências e perspectivas sobre o Ensino de Filosofia;
3. Incitar o espírito crítico e dialógico entre os participantes, propiciando a estes o questionamento, a investigação e a criação de novas possibilidades de pensar através da prática coletiva do filosofar;
4. Estimular a participação dos discentes da Educação Básica como agentes criadores e responsáveis pelas atividades;
5. Fomentar e colaborar com os objetivos do Ministério da Educação ao introduzir a Filosofia como disciplina obrigatória no Ensino Médio.

Os objetivos supramencionados estão intimamente relacionados com o processo de legitimação da Filosofia como disciplina escolar. A valorização desta disciplina nas escolas participantes do evento foi notória.

Do ponto de vista educacional, os professores envolvidos nas Olimpíadas relataram que por conta das apresentações no evento regional, as atividades filosóficas ao longo de todo o ano letivo gozaram de um interesse maior por parte dos alunos. Estes passaram a valorar a disciplina diferentemente de outros anos, quando a importância atribuída às aulas de Filosofia era pouca. A seriedade e estima demonstradas pelos alunos surpreenderam os professores inscritos no encontro.

Contaram também os professores que estudantes de outras séries não participantes, bem como coordenadores e diretores das escolas, mostraram algum interesse pela Filosofia no ano de 2011 – ainda que por mera curiosidade a respeito das olimpíadas. Disseram alguns que o fato de ter sido sediada por uma universidade aguçou a mencionada curiosidade.

Nesse sentido, a pretendida integração entre a Escola e a Universidade deu sinais de ter sido alcançada. Era visível a perplexidade de alguns alunos – principalmente do Ensino Fundamental – diante do fato de se apresentarem em uma instituição de ensino superior, passeando pelos corredores, sendo observados pelos olhares igualmente perplexos dos graduandos da UFABC.

Outro objetivo visado, como supracitado, dizia respeito à integração entre escolas, estudantes e professores. Ao agregar cerca de 30 escolas de diferentes regiões de SP, 350 alunos e 35 professores, as olimpíadas acabaram criando um espaço de rica troca de experiências. As metodologias foram as mais diversas; os formatos dos trabalhos compartilhados foram bastante diferentes; a percepção de que o mesmo tema – O mundo é admirável? O que nos torna plenamente humanos? – poderia ser abordado sob inúmeras perspectivas incitou variadas reflexões.

Sobre este espaço de integração, criação e diálogo filosóficos, lê-se no sítio da IV Olimpíada de Filosofia do Rio Grande do Sul (disponível em: http://www.olimpiadadefilosofia.org...), realizada em novembro de 2011:

Com um espírito de acolhimento das diferenças, as Olimpíadas pretendem convocar alunos para um exercício de investigação solidária, num clima que pretende ser não de competição, mas de colaboração e de estímulo para o pensamento. A ideia é de que a partir da proposta, processos filosóficos criativos sejam construídos através da interlocução, interação e participação autônoma dos ‘colaboradores’. Com a obrigatoriedade da Filosofia no Ensino Médio no Brasil, as Olimpíadas podem se constituir em um polo agregador de interesses de alunos e professores, fortalecendo e contribuindo com os objetivos pelos quais o Ministério de Educação introduziu a Filosofia no Ensino Médio.

Em São Paulo, o espaço mencionado propiciado pelo evento possibilitou, sem dúvida, a vivência do questionamento, do diálogo investigativo, da crítica, da problematização, da argumentação, da conceituação, enfim, do filosofar. Um filosofar sobre as questões norteadoras das olimpíadas e, igualmente, sobre o próprio ensinar Filosofia. Tal qual no relato de Mauricio Langon Cuñaro, Olimpíadas Filosóficas Uruguaias: Uma Experiência que Deve Ser Considerada (publicado no livro Filosofia e Sociedade: perspectivas para o Ensino da Filosofia pela Editora da UNIJUÍ) “tem-se em vista também uma transformação educativa que se responsabilize do pensar por si mesmo, da complexidade do real, da filosofização de toda a educação, a começar pela filosofização do ensino da própria filosofia”.

Professores tiveram a oportunidade de pensar a sua própria prática e foram, como diria Rodrigo Gelamo em seu O ensino da filosofia no limiar da contemporaneidade: o que faz o filósofo quando seu ofício é ser professor de filosofia? (Cultura Acadêmica), “problematizado[s] pela contingência de seu próprio presente e pelo fazer filosófico em seu dever de ofício: ser professor”. Imprescindível movimento, segundo o ensaio de Sílvio Gallo e Walter Kohan, Crítica de alguns lugares comuns ao se pensar a Filosofia no ensino médio, publicado no livro Filosofia no Ensino Médio (Vozes): “O professor que não se assume como filósofo não tem a menor chance de ensinar filosofia, assim como o professor que não se reconhece como pesquisador não poderá fazer outra coisa do que reproduzir aquilo que outros pensaram, uma marca da antifilosofia”.

Alunos, por sua vez, ficaram entusiasmados por serem ouvidos. E por a eles ter sido atribuído o protagonismo da cena. A primazia dada aos estudantes transpareceu na condução das apresentações, nas intervenções nas comunidades de investigação, na ausência de palestras ou comunicações de professores-especialistas. Passaram de espectadores a atores e diretores da encenação. Encenação de suas próprias criações.

Neste sentido, entende-se que a proposta das olimpíadas pode contribuir com o que queremos da Filosofia na Educação Básica.

Que seja parte da cultura do século XXI – que a tradição escolar que justifica e defende a presença da Língua Portuguesa, da Matemática, da Geografia e das demais disciplinas no currículo escolar, passe a justificar e defender igualmente a Filosofia, legitimando-a como disciplina. Que tenhamos, enfim, uma cultura filosófica nas escolas.

Do ponto de vista educacional, que a circunscrição a uma disciplina, ao espaço de transmissão, não impeça a ultrapassagem, mas, contrariamente, deixe os alunos passarem além [1]. Permita-se, portanto, ser espaço de abertura para o pensamento, transmitindo o que é propriamente filosófico – o sentimento de ignorância.

Que a Filosofia na escola seja, enfim, filosófica, assumindo – como assevera Alejandro Cerletti em seu O ensino de filosofia como problema filosófico (Autêntica) – seu papel político:

[...] para levar adiante a tarefa de ensinar filosofia, uma série de decisões devem ser adotadas. Decisões que são, em primeiro lugar, filosóficas, para em seguida – e de maneira coerente com elas – elaborar os recursos mais convenientes para tornar possível e significativa aquela tarefa. [...] todo ensino de filosofia deveria ser, em sentido estrito, um ensino filosófico.

Ensinar filosofia é dar lugar ao pensamento do outro. Não tem sentido transmitir “dados” filosóficos [...] como se fossem peças de uma loja de antiguidades com a qual os jovens não teriam qualquer relação. Não há sentido em tentar transmiti-los sem vivificá-los no perguntar dos alunos. A lógica do antiquário filosófico, que atesoura joias raras para oferecê-las a alguns poucos privilegiados, emudece o filosofar e mutila sua dimensão pública.

A filosofia não é uma questão privada, ela se constrói no diálogo. Ensinar significa retirar a filosofia do mundo privado e exclusivo de uns poucos para colocá-la aos olhos de todos, na construção coletiva de um espaço público. Por certo, em última instância, cada um escolherá se filosofa ou não, mas deve saber que pode fazê-lo, que não é um mistério insondável que apenas alguns atesouram.

[1] Afirma Filipe Ceppas em seu artigo Desencontros entre ensinar e aprender filosofia, publicado no n. 15 da RESAFE – Revista Sul-Americana de Filosofia e Educação: “Segundo o antigo dicionário da língua portuguesa, imprenso em Lisboa em 1849, de autoria de Eduardo de Faria, ‘transmitir’ é definido, muito simplesmente, como ‘deixar passar além’ (‘o vidro e os corpos transparentes transmitem a luz’). Essa singela definição [...] diz que transmitir não é passar, mas deixar ultrapassar (deixar passar além)”.

http://www.anpof.org.br/spip.php?article166