quinta-feira, 24 de março de 2011

A importância da Filosofia para a formação do pensamento dos alunos do Ensino Fundamental


Profª. Ms. Sônia Siquelli1


Final da primeira década do século XXI, sociedade humana, sociedade da técnica bem elaborada, sociedade marcada pelas desigualdades sociais, políticas e econômicas. Marcada pelas preocupações planetárias da possibilidade (in) certa da continuidade de sua existência. Uma sociedade “manca” de seus passos. Evoluiu-se muito na técnica e muito pouco na sua condição humana. Somos capazes, através da Ciência, de conhecermos o universo fora do planeta, mas ao mesmo tempo somos incapazes de convivermos em grupos, de dialogarmos com o outro, de resolvermos os problemas humanos a partir de referências humanas.


Para abordar a importância da Filosofia, enquanto conteúdo e forma de ensino na formação de crianças e adolescentes do ensino fundamental partiremos do seguinte questionamento: Ensinar Filosofia para quê? E, por quê? Para isso façamos a seguinte reflexão a partir da conhecida tese de Heráclito de Éfeso, “Ninguém banha-se duas vezes no mesmo rio”. Segundo esse filósofo ninguém na segunda vez, nem a pessoa nem o rio serão os mesmos. As águas passam, a pessoa muda e, ao banhar-se novamente no mesmo rio, trata-se de uma outra pessoa em novas águas. Nada é para sempre e tudo se transforma. Nós imprimimos uma mudança ao rio e o mesmo nos traz também novas realidades. Assim é a vida biológica, emocional, orgânica e social de todos os seres humanos na elaboração de sua história, condicionamento pelo tempo.


Heidegger, filósofo alemão do século XX, em uma de suas obras faz uso de uma alegoria para explicar a origem do Ser e do Tempo, coloca o homem como fruto da Terra, do Céu e dos Cuidados, tendo como mediador desta existência o Tempo. Nessa alegoria há um embate entre Céu e Terra, sobre a existência humana, mas segue a interpretação de que o homem na sua condição material é fruto da Terra, na sua condição espiritual é fruto do Céu e, durante seu processo de vida precisa de Cuidados. Quando este homem morre seu corpo volta a Terra, a alma ao Céu e quem sustenta todo esse processo é o Tempo.


Para a compreensão da nossa existência pautamo-nos em modelos, paradigmas que nos revele a Verdade sobre nossa existência e a existência do mundo. Do modelo racional e contemplativo grego, ao modelo racional e dogmático medieval, ao modelo experimental da Modernidade acerca de seus conhecimentos acumulados ao longo da história até o paradigma contemporâneo da linguagem, percebemos que a existência humana, a história da sua humanidade se constrói no seio da cultura pelo processo educacional.


Há nesses modelos de interpretação da realidade aqueles que são pautados na essência do homem, no primado racional de que a resposta dos problemas humanos está no próprio conhecimento que o homem possui e acumulou. Em outro, essa resposta se encontra na interação do homem com sua realidade, na sua condição existencialista. Enfim, no embate cultural da produção de conhecimento atual percebe-se em muitas culturas o retorno à tradição, em outras o vislumbramento do novo, da inovação, da Ciência, da Religião, da Arte, da Filosofia e do próprio Senso Comum, lugar da maioria da sociedade humana. Na prática social, há modelos que buscam no econômico a justificativa do fetiche humano como mercadoria da sociedade capitalista e neoliberal.


Enfim, não há um consenso na sociedade humana atual sobre sua própria existência. Não há um consenso sobre a natureza humana e nem dos valores que permeiam essa existência. Podemos pensar que se perdeu algo ao longo da História ou preferimos pensar que é chegada à hora, diante do “caos” instalado nas relações humanas, de forjar valores sociais, políticos, econômicos e, principalmente humanos para conduzir esse Homem à significação de sua existência e da sua continuidade.

Mas, por onde começar? Uma das possibilidades reais é pela Educação desta sociedade. Entendemos e acreditamos que o ensino de Filosofia desde a mais tenra idade, no ensino fundamental, vem contribuir para a formação dessa criança, desse adolescente e jovem que ao ser educado para conhecer e refletir sobre conhecimentos filosóficos irá forjar sua identidade no seu agir ético, enquanto Ser Adolescente, enquanto Ser Social e na constituição enquanto Ser Humano.

Essa verdade filosófica pode parecer utópica nessa sociedade atual onde somos valorizados pelo que Temos e não pelo que Somos, mas com certeza é uma verdade que clama por uma atenção formativa por parte das instituições escolares. A prática escolar, a prática educativa e, consequentemente, a prática humana posta na vivência do cotidiano da formação das crianças e adolescentes do ensino fundamental, como forma de contribuição pessoal a cada aluno na sua busca de realização e de felicidade.

1 Mestre e Doutoranda pela Universidade Federal de São Carlos-UFSCar. Professora de Filosofia do 6º ao 9º ano do Colégio Experimental Integrado, docente de Filosofia e História da Educação do Centro Universitário da Fundação de Ensino Octávio Bastos em São João da Boa Vista e da Fundação Euclides da Cunha de São José do Rio Pardo

Fonte: http://boletimodiad.blogspot.com/2011/03/importancia-da-filosofia-para-formacao.html

sexta-feira, 18 de março de 2011

Três passos para a acessibilidade filosófica nas escolas


Ricardo Valim1

Geralmente quando em sala de aula falamos de filosofia ou da personalidade de um filósofo a primeira imagem que vem a cabeça de um jovem é a de um homem todo descabelado e com umas idéias que mais parecem coisas de maluco do que outra coisa. Na verdade este é um mito – por assim dizer – de tradição oral e, que passa de geração em geração, pelos corredores de nossas escolas. E com isso a filosofia vai ganhando descrédito com os alunos que vêem nestas “idéias de malucos” um “passaporte para o fracasso”. Visto que não achamos por aí um filósofo dono de uma multinacional com uma renda de milhares de cifrões ao ano.

O primeiro passo a ser dado para reverter este processo é tornar a filosofia acessível às crianças. Ou seja, é o ato de trabalhar filosofia e conceitos filosóficos com as crianças na linguagem das crianças. É basicamente a modelagem de uma nova forma de transmissão de temas e teorias de filosofia para as crianças. É preciso salientar que esta nova forma de educar filosoficamente não pretende anular ou fragmentar, abolir as correntes filosóficas que perpassaram os séculos. Mas sim, sem abandonar a tradição filosófica, proporcionar aos alunos uma filosofia que eles possam entender e degustar com facilidade.

Um segundo passo seria deixar as crianças falarem o que sentem e como vêem a filosofia no seu entendimento. Deste modo elas se sentiram importantes dentro de uma discussão e com isso poder-se-á fazer correções e de modo sorrateiro elas aprenderam por si mesmas o valor de sua opinião e como se portar diante de um conflito de idéias. Segundo o filósofo e educador norte americano Matthew Lipman em sua obra “A Filosofia vai à Escola”, não existe melhor método do que o da discussão em sala de aula porque a “... discussão, por sua vez, aguça o raciocínio e as habilidades de investigação das crianças como nenhuma outra coisa pode fazer” (LIPMAN, 1990, pag. 41).

E por ultimo, mas não menos importante é o exemplo do professor na sala de aula. As crianças, como se sabe, têm o habito de imitar os adultos nos seus gestos, palavras e ações. É basicamente uma forma primitiva de ingressar no circulo cultural adulto. Um professor em sala de aula que expõe seus conteúdos de forma clara, objetiva e apaixonada, obviamente os alunos vão se interessar e buscarão aperfeiçoar aqueles conteúdos, por que foram “cativados”. Já o contrário também pode ocorrer. As crianças por natureza são apaixonadas pelo conhecimento e é preciso cultivar, fortalecer esta paixão que brota de sua humilde e terna sinceridade. Diz-nos Lipman, “as crianças só acharam a educação uma aventura irresistível se os professores também a acharem...”.

A educação filosófica deve ser vista e ensinada em nossas escolas não mais como um “passaporte para o fracasso”, mas sim com uma forma criativa de ler e interpretar a realidade e a partir desta leitura transformá-la em um lugar mais humano para se viver. E tudo isso deve começar com as crianças, pois são elas o futuro da humanidade mais esclarecida que queremos para o nosso futuro.

1 Bacharel em Filosofia pela Faculdade São Luiz de Brusque /SC e Pós Graduando em Metodologia do Ensino de Filosofia e Sociologia pelo Grupo Uniasselvi Assevim de Brusque/ SC

Fonte: http://boletimodiad.blogspot.com/2011/03/tres-passos-para-acessibilidade.html

segunda-feira, 14 de março de 2011

Cariri - Ceará, terá Especialização em Ensino de Filosofia



O Campus da Universidade Federal do Ceará no Cariri oferecerá Curso de Especialização em Ensino de Filosofia, totalmente gratuito e destinado, principalmente, a professores efetivos de Filosofia da Rede Estadual do Ensino Médio.

As inscrições devem ser feitas no período de 14 a 18 de março, na Secretaria de Pós-Graduação do Campus do Cariri (Av. Tenente Raimundo Rocha, s/n - Bloco I - Piso Superior - sala 2 - Cidade Universitária - Juazeiro do Norte), de 8h30min às 11h30min e de 14h30min às 17h.

O processo seletivo constará de análise de curriculum vitae, carta de motivação e entrevista. O curso, aprovado através da Resolução nº 28 do Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão (CEPE), de 12 de novembro de 2010, terá início em 16 de abril e destina-se, preferencialmente, aos que não têm formação na área de Filosofia e egressos da licenciatura em Filosofia.

A especialização terá duração de 18 meses, totalizando 400 horas/aula, funcionando quinzenalmente aos finais de semana. Mais informações podem ser obtidas através do e-mail espensinodefilosofia@cariri.ufc.br.

Fonte: Profª Fátima Maria Nobre Lopes, Coordenadora do Curso de Especialização em Ensino de Filosofia do Campus do Cariri – (fone: 88 3572 7239)

Fonte: www.ufc.br

A situação do ensino de filosofia no Brasil



Relatório elaborado para UNESCO

1. Em seu país existem instituições de ensino onde a filosofia tem espaço curricular específico? Quais são?

No Brasil existem disciplinas específicas de filosofia nos três níveis de ensino: fundamental, médio e superior. Com exceção do ensino superior, é impossível precisar quais ou quantas instituições mantém a filosofia como disciplina específica no currículo, uma vez que a obrigatoriedade ou não do ensino de filosofia varia nos estados e municípios, assim como a sua presença efetiva nas redes públicas e particulares.

De modo geral, os municípios (no total de 5.561) são responsáveis pela oferta do ensino fundamental (de 1ª a 8ª série) no Brasil. Do total das escolas de ensino fundamental (172.508), 153.696 são públicas e 18.812 são particulares. Alguns poucos municípios estabelecem a obrigatoriedade do ensino de filosofia na rede pública. Algumas escolas particulares adotam a filosofia como disciplina em seus currículos. Em algumas escolas de ensino fundamental, sobretudo de caráter privado, estão presentes programas de filosofia para/com crianças, a maioria utilizando o programa filosofia para crianças de Matthew Lipman; mas há também universidades e escolas que desenvolvem pesquisas e metodologias próprias para o ensino de filosofia nesse nível.

De modo geral, os estados são responsáveis pela oferta do ensino médio. Do total das escolas de ensino médio (22.533), 15.761 são públicas e 6.772 particulares. No nível médio, dentre as 27 unidades da federação, existem ao menos 16 onde a disciplina é obrigatória na rede pública e 7 onde a presença disciplinar é opcional. Em pelo menos três estados, existem iniciativas em prol da adoção da filosofia como disciplina nos próximos anos. Muitas escolas da rede particular oferecem a disciplina como parte do currículo, via de regra durante um ano (série).

De modo geral, a Federação e os estados são responsáveis pela oferta do ensino superior. Do total das instituições de ensino superior (1.391), 183 são públicas e 1.208 são particulares e/ou filantrópicas (ou confessionais ou comunitárias). No total, distribuídos por todas as unidades da Federação, existem ao menos 56 cursos de Filosofia nas universidades, públicas e particulares, incluindo bacharelado e licenciatura.

A filosofia, através de disciplinas como “Introdução à Filosofia”, “Lógica” ou mesmo “Metodologia Científica”, esta última freqüentemente a cargo dos departamentos de Filosofia, é matéria comum do “ciclo básico” da maioria das universidades, isto é, compõe disciplinas que são oferecidas a todos os cursos universitários. Há, ainda, nos Institutos Superiores de formação para o magistério, a presença regular da disciplina “Filosofia da Educação”, e a presença eventual de outras disciplinas como “Introdução à Filosofia” ou “Lógica”.

Em nível de pós-graduação, existem programas consolidados de mestrado e doutorado strictu senso em filosofia, a maioria concentrada na região sul e sudeste. Há também programas latu senso (especializações), em diversas universidades do país, específicas sobre o ensino de filosofia. Registram-se experiências bem sucedidas, por exemplo, na Universidade de Brasília, na Universidade Federal de Paraná, Universidade de Passo Fundo e na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.

Si la respuesta a la pregunta 1 es afirmativa, indique en qué niveles de enseñanza se imparte y desde cuándo [Universidad, Institutos superiores, Nivel medio (Secundaria), Nivel elemental (Primaria)].

Ensino Fundamental:
1985

Ensino Superior:
As primeiras escolas superiores (escolas isoladas e, em especial, os “Cursos Jurídicos”) fundadas no Brasil, no fim do período colonial —período em que a corte portuguesa aporta no país, 1807-1822, fugindo da Revolução Francesa—, têm a filosofia como um saber importante. Mas é apenas com a criação da Universidade de São Paulo (USP), em 1933, e da Universidade do Distrito Federal (UDF), em 1935, que o Brasil terá cursos superiores de filosofia com espaço curricular próprio (curso de Filosofia e Letras). [8]

Ensino Infantil:
1995

Ensino Médio:
A filosofia faz parte dos currículos no Brasil desde a criação da primeira escola de ensino médio da Companhia de Jesus em Salvador, Bahia, em 1553 [9]. Contudo, durante praticamente 3 séculos, até meados do século XIX, a filosofia tem um caráter marcadamente doutrinário, assinalada pela ideologia dos jesuítas. Predomina, então, o Ratio Studiorum, de conteúdo tomista, uma filosofia letrada, humanista e, sobretudo, católica.

Com o advento da República e uma forte influência positivista, no final do século XIX, pela primeira vez desde sua instauração, a filosofia é retirada dos currículos, já que para o positivismo a ciência – não a filosofia – constitui a base firme para a educação. A partir desse momento, a filosofia se vê presa a uma série de movimentos político-pedagógicos que alternadamente a incluem e a excluem dos currículos: volta em 1901 como a disciplina “Lógica” no último ano do secundário, para ser de novo retirada em 1911; regressa como matéria optativa em 1915 e como obrigatória em 1925, com um caráter marcadamente enciclopedista.

As reformas educacionais de 1932 e 1942 mantém a filosofia como as disciplinas “Lógica” e “História da Filosofia”. Com a instauração da ditadura militar, é novamente excluída oficialmente dos currículos de ensino médio através da Lei 5.692 de 1971, sendo substituída pela matéria “Educação moral e cívica”, visando garantir a transmissão da Doutrina da Segurança Nacional e atenuar o impacto “contrarrevolucionário”, “crítico” e “comunista” do ensino da filosofia. A filosofia volta a ser optativa com uma nova reforma em 1982 e a história mais recente é contada em outras partes deste relatório.

O documento completo encontra-se disponível em:
http://recantodasletras.uol.com.br/trabalhosacademicos/2046175

Prof. Ms. Marney Cruz
UFC e FGF

sexta-feira, 4 de março de 2011

Considerações sobre ensino de filosofia no nível médio




Evanildo Costeski – UFC

1.1 Introdução

Finalmente, o ensino de filosofia passa a ser obrigatório em todas as
séries do Ensino Médio, como determina a lei 11.684 de 02 de junho de 2008.
É uma grande vitória para os estudantes e as escolas de Ensino Médio, para
as Universidades e os estudantes dos cursos de Licenciatura em Filosofia e,
enfim, para a própria educação brasileira. O ensino de Filosofia já tem uma
longa tradição em países como a França e a Itália, referências na cultura
ocidental em educação humanística. Sem a Filosofia, a educação tende a
ser puramente técnica, sem uma discussão fundamentada sobre os diversos
valores morais necessários para a construção de um país democrático. Além
disso, as próprias ciências perdem a oportunidade de tornar os seus princípios
epistemológicos mais claros e coerentes para os alunos.

As formações humanística e científica não podem estar separadas. A
Filosofia oferece todas as condições para se pensar uma educação interdisciplinar,
onde valores morais e éticos possam coexistir com pesquisas científicas,
sem prejuízos para o meio-ambiente e o desenvolvimento da civilização
humana. É verdade que essa função não é específica da Filosofia. Todas
as ciências devem visar a formação integral do ser humano, porém, essa
formação não seria completa sem a Filosofia.

O Inciso III do § 1º do Artigo 36 da Lei de Diretrizes e Bases (Lei nº
9.394 de 20/12/1996), revogado pela lei 11.684 de 2 junho de 2008, dizia
que o estudante deveria, no final do Ensino Médio, demonstrar o “domínio
dos conhecimentos de Filosofia e de Sociologia necessários ao exercício
da cidadania”. Este objetivo foi sucessivamente reiterado pelos PCN e
Orientações Curriculares para o Ensino Médio e confirmado pelo Parecer CNE/
CEB 38/2006 do Conselho Nacional da Educação, sobre a obrigatoriedade
da Filosofia e da Sociologia no Ensino Médio. Como sabemos, até a lei da
obrigatoriedade, o conhecimento de Filosofia e Sociologia era apenas transversal
no Ensino Médio. Nesse sentido, a revogação do Inciso III do art. 36
de LDB pela lei 11.684 de 2008 mostra que os conhecimentos filosóficos e
sociológicos necessários para o exercício da cidadania não devem mais ser
apenas transversais, mas da própria Filosofia e Sociologia enquanto disciplinas
obrigatórias. Mas, como a Filosofia pode contribuir para o exercício
da cidadania? Para isso, faz-se necessário a compreensão prévia do termo
“Filosofia” e “cidadania”. As Orientações Curriculares para o Ensino médio,
vol. 3, no ítem “Conhecimentos de Filosofia”, apresentam as bases para essa
compreensão.

Não há uma compreensão unívoca da Filosofia. Cada filósofo tem o seu
sistema de idéias. A Filosofia platônica é diferente da aristotélica, como a
kantiana é diferente da hegeliana ou da marxista e assim por diante. Todas
as filosofias são coerentes e importantes. Cada uma tem uma lógica própria,
que merece ser estudada e interpretada. Diante desse mosaico de filosofias,
o professor do Ensino Médio também poderá ter as suas preferências, aliás,
é importante que tenha, para que possa fundamentar seu ponto de vista e
sua visão de mundo.

O conceito de “cidadania”, tampouco, é unívoco. Assim como a Filosofia,
a compreensão de cidadania está em processo, em um movimento que
nada tem de fixo. Na verdade, a formação para a cidadania não depende
apenas da Filosofia e da Sociologia. Ela é objeto de formação de toda Educação
básica (LDB, art. 32) e do Ensino Médio em especial (LDB, art. 36). A
formação para a cidadania depende de um conjunto de disciplinas. Para ser
cidadão, não basta apenas compreensão política, mas é necessário, outrossim,
um conhecimento científico adequado das ciências naturais e tecnológicas.
Qual seria, então, a especificidade da Filosofia na formação para a
cidadania? Como esclarecem as Orientações para o Ensino Médio:

A resposta a essa questão destaca o papel peculiar da filosofia no desenvolvimento
da competência geral de fala, leitura e escrita – competência
aqui compreendida de um modo bastante especial e ligada à natureza
argumentativa da Filosofia e à sua tradição histórica. Cabe, então,
especificamente à Filosofia a capacidade de análise, de reconstrução
racional e de crítica, a partir da compreensão de que tomar posições
diante de textos propostos de qualquer tipo (tanto textos filosóficos
quanto textos não filosóficos e formações discursivas não explicitadas
em textos) e emitir opiniões acerca deles é um pressuposto indispensável
para o exercício da cidadania (BRASIL, 2009, p. 26).

A importância da Filosofia para a formação humana é maior do que sua
ambigüidade. O estudo dos diversos textos filosóficos constitui um interessante
exercício para a arte do diálogo, da tolerância e do respeito às diversas
opiniões, necessárias para o exercício da cidadania. É a própria diversidade
histórica da Filosofia que dá sentido à sua unidade. Sem diferenças não há
reflexão, não há diálogo e, conseqüentemente, não há cidadania.

Desse modo, a ambigüidade da Filosofia, isto é, o fato de não existir
uma única Filosofia, mas diversas “filosofias”, segundo o ponto de vista
particular de diferentes filósofos e sistemas que constituem a história da
filosofia, acaba favorecendo a educação para a tolerância, para a liberdade e
para o diálogo, bases para uma verdadeira cidadania. Daí a importância da
História da Filosofia para o Ensino de Filosofia. O educando aprenderá que
as contradições e as diferentes opiniões filosóficas constituem um processo
que nada tem de negativo, ao contrário, formam a base para uma sociedade
verdadeiramente democrática, onde o respeito às diferenças constituem a
regra, não a exceção.

1.2 O Ensino de Filosofia como Direito à Filosofia

O ensino da Filosofia é, portanto, necessário para a formação e o exercício
da cidadania. Essa é a principal justificativa teórica para a implantação
oficial da Filosofia no Ensino Médio. A formação para a cidadania é um
direito e um dever de todos os brasileiros. Trata-se de uma verdade irrefutável.
Mas será que não se poderia dizer o mesmo da Filosofia? O direito
ao exercício da cidadania supõe o direito à Filosofia, tal como afirma J.
Derrida (1990). O princípio derridariano do “direito à Filosofia para todos”
fundamentou a discussão sobre a reforma do ensino de Filosofia na França
(GALICHET, 2000, p. 53). Em nossa opinião, sem esse princípio, a própria
compreensão do direito à cidadania fica incompleto.

Em uma conferência proferida em 1991, intitulada “O direito à Filosofia
do ponto de vista cosmopolita”, sob o patrocínio da Unesco, Derrida explicita
em três pontos a questão do direito à filosofia.
a) O direito à Filosofia é cosmopolita, isto é, não pode ser reduzido a uma
nação ou apenas a uma cultura. Ele vai além, inclusive dos dois modelos
tradicionalmente hegemônicos na filosofia mundial: o continental e o anglo-
saxão analítico. Eis o que diz Derrida:

Uma certa história, notadamente mas não só uma história colonial,
constitui esses dois modelos em referências hegemônicas no mundo
inteiro. O direito à filosofia passa não apenas por uma apropriação desses
dois modelos concorrentes e, no limite, de todo modelo por todos
e por todas (...), o direito de todos e de todas à filosofia passa também
pela reflexão, pela mudança e pela deconstituição dessas hegemonias,
pelo acesso a lugares e a eventos filosóficos que não se esgotam nessas
duas tradições dominantes nem nessas línguas (DERRIDA, 2004, p.23).

É verdade que a Filosofia teve a sua origem na Grécia, em uma determinada
língua e cultura. Mas se ela foi grega no início, rapidamente se tornou
multicultural, tornando-se patrimônio de todos os povos, de uma única e
mesma humanidade.

(...) a filosofia jamais foi o desdobramento responsável de uma única
destinação originária ligada à língua única ou ao lugar de um só
povo. A filosofia não tem uma só memória. Sob o seu nome grego e
em sua memória européia, ela sempre foi bastarda, híbrida, enxertada,
multilinear, poliglota e cumpre-nos ajustar nossa prática da história
da filosofia, da história e da filosofia, a essa realidade que foi também
uma chance e que permanece mais do que nunca uma chance. O que
eu digo aqui da filosofia pode-se dizer igualmente, e pelas mesmas
razões, do direito e da democracia (DERRIDA, 2004, p. 21-22).

b) A reflexão filosófica é autônoma. Se até o momento ela foi produzida
em língua grega, latina, árabe, alemã, inglesa ou francesa, isso não significa
que não se pode filosofar em outras línguas. O mesmo pode ser dito em relação
à religião e às ciências exatas, naturais e tecnológicas. Uma política do
direito à filosofia para todos e para todas não é somente uma política da ciência
e da técnica, mas uma política do pensamento, que respeite a autonomia
irredutível da filosofia diante das ciências e das religiões (DERRIDA, 2004, p.
24). Como afirma Derrida:

Tendo-se em conta o que liga a ciência à técnica, à economia, aos interesses
político-econômicos ou político-militares, a autonomia da filosofia
em face da ciência é tão essencial à prática de um direito à filosofia
quanto a autonomia em face das religiões é essencial para quem queira
que o acesso à filosofia não seja interdito a nenhuma pessoa, homem ou
mulher. Eu faço aqui alusão ao que em cada área cultural, linguística,
nacional religiosa, possa limitar o direito à filosofia por razões sociais,
políticas ou religiosas, devido à pertença a uma classe, a uma idade, a
um sexo ou a tudo isso ao mesmo tempo (DERRIDA, 2004, p. 25).

A afirmação de Derrida é realmente surpreendente: o direito à Filosofia
não pode ser proibido a nenhuma pessoa, homem ou mulher; por razões de
idade, de sexo, de língua ou por motivações políticas e religiosas. O acesso
ao pensamento autônomo é um direito de todos. Todos têm o direito de saber
as razões últimas do seu pensamento, se ele é realmente seu pensamento ou
imposto por uma ideologia externa. A Filosofia é obra do pensamento e o
pensamento é universal, de todos os seres humanos; logo, a Filosofia deve
ser também universal.

c) O Direito universal à Filosofia justifica a sua institucionalização pedagógica
oficial. É certo que a reflexão filosófica não se limita às instituições
oficiais, mas “é evidente por si que todas as diferenças de tradição, de estilo,
de língua, de nacionalidade filosófica são traduzidas ou encarnadas em
modelos institucionais ou pedagógicos, às vezes até produzidas por essas
estruturas (a escola, o colégio, o liceu, a universidade e as intituições de
pesquisa)” (DERRIDA, 2004, p. 26). Não obstante, o direito à filosofia ser
relativamente reconhecido pelos acadêmicos e pela classe política, é um fato
que a filosofia sofre de uma série de restrições pedagógicas. Para muitos o
acesso à Filosofia é limitado e até proibido. Como expressa Derrida:

É que, para além dos motivos políticos ou religiosos, para além dos
motivos de aparência pedagógica que podem levar a limitar o direito
à filosofia e até a proibi-la (a determinada classe social, às mulheres e
aos adolescentes antes de uma certa idade etc., aos especialistas desta
ou daquela disciplina ou aos membros deste ou daquele grupo), além
mesmo de todos os motivos de discriminação a esse respeito, a filosofia
sofre em toda parte, na Europa e alhures, em seu ensino e em sua pesquisa,
de um limite que, conquanto não tome sempre a forma explícita
de uma proibição ou da censura, recai nisso não obstante, simplesmente
devido à limitação dos meios postos em ação para sustentar o ensino
e a pesquisa filosóficos. Essa limitação é motivada, eu não digo justificada,
tanto em sociedades de tipo capitalista liberal, socialistas ou
social-democráticas, sem falar de regimes autoritários ou totalitários,
por equilíbrios orçamentários que concedem a prioridade às pesquisas
e as formações para a pesquisa dita, muitas vezes a justo título, útil,
rentável, urgente, à ciência dita finalizada, aos imperativos tecnoeconômicos
e até científico-militares (ibid, id., p. 26-27).

Não se trata de forma alguma de contestar o ensino técnico-científico.
Esse é indispensável para o desenvolvimento da humanidade e da própria
filosofia. Mas o progresso científico deveria vir acompanhado de um aumento
de responsabilidade moral e de espírito crítico. Por isso, o direito à
filosofia se torna ainda mais urgente. Infelizmente, no Brasil, esse direito
não é ainda aplicado aos alunos do Ensino Fundamental. O fato de os adolescentes
terem acesso, pela internet, a todo tipo de informação justifica a
necessidade de se estabeler critérios para esse acesso. A Filosofia poderia
perfeitamente ajudar na classificação dessas informações e no estabelecimento
desses critérios, ao menos subjetivamente. Sem o ensino curricular
da Filosofia, os adolescentes do Ensino fundamental ficam individualmente
mais vulneráveis e sujeitos aos diversos níveis de manipulação. Essa situação
ilustra muito bem as consequências da ausência da Filosofia em todos
níveis da educação básica.

Entretanto, isso não obscurece o fato de que a institucionalização da
filosofia no Ensino Médio é uma grande vitória para a Filosofia brasileira. É
verdade que uma hora por semana é pouco, mas já é alguma coisa. Além da
sala de aula, a Filosofia pode contribuir também com outras atividades acadêmicas
e culturais na Escola. A atividade filosófica não se reduz à sala de
aula, mas a toda atividade escolar. No que segue, trataremos primeiramente
do ensino de filosofia em sala de aula e depois falaremos de outras possíveis
atividades filosóficas na Escola.

Quem quiser continuar a leitura favor visitar o link abaixo e baixar o arquivo Epistemologias 3
http://www.virtual.ufc.br/humanas/epistemologias3.aspx

Evanildo Costeski – UFC
É graduado em Filosofia pela Universidade do Sagrado Coração – USC. Mestre e Doutor em
Filosofia pela Pontífice Universidade Gregoriana. Atualmente é professor adjunto da Universidade
Federal do Ceará – UFC.